quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

ARTIGO SOBRE O BULLYING: até quando vamos perder uma vida, para não perder a piada?

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TERROR, PODER E SOCIEDADE: UMA VISÃO ANTROPOLÓGICA DAS NATUREZAS DO BULLYING





Resumo:

Este artigo busca a identificar de que forma a Antropologia e as Ciências Sociais em geral podem explicar as origens do fenômeno conhecido como bullying, querela social que tem tomado grande espaço na mídia nos últimos tempos. A presente obra se divide em três partes: na primeira, há uma apresentação sobre o tema do trabalho, seus objetivos, a metodologia utilizada e relevância do tema. Na segunda parte, é feita a exposição do tema com base no arcabouço teórico e as observações obtidas em relação ao corpus selecionado. Por fim, num terceiro momento retomamos as observações realizadas junto ao corpus, apresentando as soluções impetradas acerca dos questionamentos propostos.


Palavras-chave: Bullying, Violência, Antropologia, Sociedade.


INTRODUÇÃO[1]

            Estudos históricos e antropológicos têm demonstrado através dos tempos que a força e o medo tem sido grandes armas da Humanidade na condição de autodefesa e exploração do semelhante. Inclusive, uma das teorias mais famosas acerca da criação do Estado versa sobre esses termos, quando Thomas Hobbes (1588-1679) propôs que num Estado de Natureza a força física promovesse a supremacia de uns sobre outros e apenas o medo de um soberano poderoso e implacável poderia aplacar a instabilidade que essa condição natural implicaria aos homens.

            Ainda que Hobbes jamais tivesse elaborado sua visão sobre a origem do Estado, procedendo uma análise criteriosa da História humana, percebe-se naturalmente que dentro das variadas esferas sociais, o jogo da intimidação de um homem sobre outro praticamente é uma característica inerente e cujas razões podem ser das mais variadas, seja a obtenção de algum benefício (um político que ameaça publicar imagens comprometedoras de seu adversário na disputa por um cargo), ensinar alguma lição (o pai que surra o filho por suas travessuras) ou pelo mero instinto sádico que o ser humano demonstra para com os outros (as gargalhadas que soam quando se caçoa do colega desastrado). Com a evolução das discussões sobre os direitos humanos, especialmente na segunda metade do século XX, muitas dessas ações de intimidação alcançaram o caráter de crime, tais como a coação e a violência doméstica. No entanto, ainda protegido sob a égide de “brincadeira” ou pela própria inoperância das ações repressoras, o acossamento permaneceu incólume até ser devidamente alvo de pesquisas na Europa, demonstrando seu caráter danoso à formação da pessoa humana.

            Conhecido na língua inglesa pelo nome de bullying, que significa literalmente “a ação de um valentão”, o acossamento se traduz em atos de violência física e/ou psicológica, freqüentes e intencionais, de um ou mais indivíduos teoricamente mais fortes sobre um ou mais indivíduos fracos. O bullying pode ocorrer tanto de forma direta (comumente cometido por pessoas do sexo masculino, quase sempre desembocando em violência física extrema) como indireta (típico das pessoas de sexo feminino e crianças, determinada pela intenção de forçar a vítima ao isolamento social), podendo ocorrer nos mais variados ambientes da sociedade.

            Mais ainda do que a própria observância do tema em si, é mister perscrutar nos já citados eventos citados pela mídia recentemente, em confluência com o pensamento antropológico relacionado à construção cultural humana e suas noções de poder e autoridade, como o fenômeno do bullying pode ser compreendido em suas origens, que mecanismos internos e externos ao Homem contribuem para que ele desfira sua força ou iminente uso da força contra o seu semelhante.

            Com base nisso, foram escolhidos alguns casos de bullying que se tornaram notáveis publicamente para se proceder uma pesquisa de base bibliográfica nas obras consagradas que tratam dos meandros da Cultura e da relação poder-autoridade, com especial ênfase nos textos de Roque de Barros Laraia e José Manuel de Sacadura Rocha, corroborando suas assertivas com os eventos documentados pela mídia, identificando pontos de convergência que possam esclarecer as origens do fenômeno do ponto de vista antropológico.  

                                       

1-      BULLYING: O PODER DA INTIMIDAÇÃO OU A INTIMIDAÇÃO DO PODER?

            O fenômeno do bullying é particularmente interessante, uma vez que foi especialmente difundido como “comportamento normal” dentro da cultura popular, seja desde o romance O Ateneu (1888), do brasileiro Raul Pompeia, passando pelas histórias em quadrinhos do Homem-Aranha (1962), de Stan Lee e Steve Ditko e chegando até a ser mote para a comédia como no filme Te Pego Lá Fora (1987) e a série televisiva Todo Mundo Odeia o Chris (2005-2009). Porém, agora com as recentes pesquisas e situações dramáticas que tem sido relacionadas ao bullying, tais como o Massacre de Columbine (1999), nos Estados Unidos e uma série de outros eventos dentro da própria realidade brasileira, o tema se tornou pauta de discussões sérias e preocupadas nas escolas, nas ruas, dentro de casas, sendo assim, um tema relevante a ser observado pela ótica das Ciências Sociais, especialmente a Antropologia.  

            Por definição, os bullies, indivíduos agressores que comete bullying, realizam atos que combinam intimidação e humilhação da vítima. Insultar, agredir fisicamente, espalhar rumores, depreciar a figura da vítima, discriminando-a por sua etnia, orientação sexual, religião, classe social, procurando isolá-la do convívio social são ações que se caracterizam como bullying. Como já dito, o bullying pode ocorrer nos mais variados ambientes, seja no local de trabalho, na vizinhança, entre estados e países (assumindo semelhanças com a xenofobia) e até mesmo no âmbito militar, tendo inclusive um nome próprio, código vermelho. No entanto, o bullying é sem dúvida uma realidade típica nos ambientes de aprendizado: escolas, universidades e faculdades.  

            No Brasil, uma pesquisa realizada pelo IBGE revelou em 2009 que 30,8% dos estudantes brasileiros admitiram ser vítimas do acossamento, sendo a maioria do sexo masculino e alunos de escolas particulares. Especialmente no ano de 2010, três casos se tornaram emblemáticos sobre o tema e aqui serão analisados pela ótica antropológica a fim de compreender como se origina culturalmente a prática do bullying.

            Em maio de 2010, os pais de um aluno do Colégio Santa Doroteia foram obrigados pela Justiça a pagar uma indenização de oito mil reais depois que este perseguiu uma colega de 15 anos que era supostamente feia e foi caracterizada por ele como “tábua”, “prostituta”, “sem peito” e “sem bunda”. Os pais da menina disseram que várias vezes procuram a direção da escola, mas esta se colocou omissa diante dos eventos que prosseguiram até que a Justiça fosse acionada. A garota, que precisou de tratamento psicológico, teria ficado muito triste, estressada e emocionalmente debilitada nas palavras da psicóloga.

            Em junho do mesmo ano, desta vez no ambiente universitário, estudantes da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo publicaram uma edição do jornal estudantil O Parasita oferecendo um convite para “uma festa brega” a quem jogasse fezes num estudante homossexual.

            Em outubro, em Petrópolis, Rio de Janeiro, uma mãe foi pedir satisfações ao pai de um menino que praticava bullying contra seu filho de nove anos na escola. Este reclamava que era constantemente chamado de “boiola” e “magrelo” por dois colegas, sendo um deles o que apareceu acompanhado pelo pai numa galeria comercial. Diante das câmeras de segurança do local, o homem não só reprimiu a reclamação da mulher, como a agrediu no rosto, empurrou-a no chão e chutou-a, enquanto a mãe revidou como pode.

São três exemplos característicos do bullying, sendo que a agressão, verbal ou física, é motor para um poder de intimidação daquele que se julga superior em relação ao outro que é visto como diferente. Para demonstrar essa superioridade pretensa, esses indivíduos lançam mão da brutalidade, uma vez que já está inserido na sociedade humana a idéia de que o poder está vinculado à violência.

“Precisamos reconhecer, no entanto, que essa separação de autoridade e poder parte de nossas premissas filosóficas tradicionais, segundo as quais sempre nos parece que poder é a Violência institucionalizada e consentida e que a violência de poder sempre é necessária para o convívio social”. (ROCHA, 2008, p.53)

Teorias sobre a origem do bullying colocam em xeque esse possível poder de intimidação, colocando sim uma intimidação do poder como razão. Aquele que se sente o dono da situação, de seu ambiente, de sua área de abrangência, sente-se ameaçado em sua esfera de poder pelo que é novo, diferente e como um mecanismo de autopreservação, busca denegrir o outro, ridicularizá-lo. Pesquisas realizadas na Europa, principalmente nos países escandinavos, tem concluído que a maior parte dos agressores são pessoas com personalidades autoritárias, dominadoras.

E por que se dá esse comportamento? A resposta pode estar na Cultura. LARAIA (2009, p. 65) evoca Ruth Benedict ao dizer que a cultura é como uma lente segundo a qual o homem vê o mundo e assim, diferentes lentes condicionam diferentes visões. A cultura, entendida como trações comuns de tradições, ritos, costumes e valores que constroem a personalidade de uma pessoa, conduz esta em suas ações e/ou omissões, refletindo no comportamento perante a sociedade. E, dependendo da cultura na qual se encontra inserido o sujeito, suas reações diante do que foge à sua cultura podem ser repulsivas.

 “A nossa herança cultural, desenvolvida através de inúmeras gerações, sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação ao comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos pela maioria da comunidade. Por isto, discriminamos o comportamento desviante”. (LARAIA, 2009, p.65)

Observando esse aspecto, é patente que há uma explicação cultural por trás das agressões relatadas pelos três casos supracitados. Numa sociedade pós-moderna onde o culto ao corpo é exacerbado, explorado à exaustão, uma garota que não apresente seios ou glúteos avantajados está fora dos padrões de “beleza” e por isso é excluída do convívio daqueles que compartilham o padrão cultural da mulher bela e atraente. Não é à toa que a moça do primeiro caso foi caracterizada e perseguida severas vezes como “feia” pelo colega penalizado. Outra figura que apresenta “comportamento desviante” é o homossexual, que no segundo caso torna-se alvo de discriminação e incitação ao achincalhe por aqueles que discordam de sua orientação, considerada reprovável boa parte da população brasileira, fortemente influenciada cultura judaico-cristã. No terceiro caso, um garoto foi vítima de bullying justamente por ser chamado de “boiola”, gíria popular para homossexual e “magrelo”, mais uma alcunha que caracteriza uma provável “fuga” dos padrões.

A valorização da própria cultura, de seus ritos, tradições, noções de certo e errado levam os homens a considerar quase sempre a sua cultura como a mais natural e correta. É o que as Ciências Sociais chamam de Etnocentrismo e o que, certamente, causa uma série de conflitos, sendo o bullying um dos mais velados e que só agora tem alcançado maior debate. Quando alguém que difere daquilo que é culturalmente aceito dentro de um ambiente, podem haver reações extremadas como o acossamento, uma vez que o diferente, para alguns indivíduos, gera um momento de crise na ordem daquele ambiente.

“O costume de discriminar os que são diferentes, porque pertencem a outro grupo, pode ser encontrado mesmo dentro de uma sociedade. (...) Comportamentos etnocêntricos resultam também em apreciações negativas dos padrões culturais de povos diferentes. Práticas de outros sistemas culturais são catalogadas como absurdas, deprimentes e imorais”. (LARAIA, 2009, p.72)


[1] Alunos do 2° período do Curso de Direito da Faculdade CEUT.

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