quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Diario de campo(AS PROSTITUTAS): quebra de preconceitos

15/03/2010(segunda-feira)                                                                       01:03h

                               

Pré-conceito: prostituição


´´  Mulheres impuras, de vida fácil, imundas na sua intimidade, doentes, que não se dão o devido respeito, sem moral alguma, que ferem os valores de nossa sociedade, e que por esses motivos e outros mais, não merecem nosso respeito.``


          Esse é o conceito que tenho formado, sobre essas mulheres. Não consigo olhar para essas pessoas e sentir dignidade no que vejo, quanto mais direcionar a palavra a essas mulheres em qualquer situação que seja. A minha criação, baseada em conceitos de moral, que provavelmente seja bem contrário aos delas, não permite que eu mantenha contato com esses seres, e que se eu permitir, o mínimo contato, eu estaria permitindo que ferie a minha conduta moral, conduta essa, que minha família me proporcionou de forma tão digna.
         Sempre fui contra a prostituição. Se sentir vontade de transar, vou a uma festa qualquer, conquisto uma menina que me agrade, e a levo em um motel. Não as jugo, por utilizarem seus corpos da forma que elas quiserem, desde que, a forma que elas o use seja exclusivamente para proporcionar prazer a elas. O que não acho correto é usar seu corpo, como mercadoria, e pior atribuir um preço a essa mercadoria. Acredito que nosso corpo é algo de valor inestimável, pois é atravez dele que podemos expressar os diversos sentimentos que estão guardados em nosso mais profundo intimo. Deveríamos ter a consciência, que ninguém pode vender e nem se quer pensar na possibilidade de vender o próprio corpo. Mas a falta de dignidade dessas mulheres é tamanha, que não as permite reconhecer a verdadeira função do seu próprio corpo. A função do nosso corpo é exclusivamente de expressão artística, arte essa, que se encontra em nosso intimo, e que não deve de forma alguma ser colocada no mercado.
         Essas mulheres devem ser conscientizadas, sobre a agressão que estão cometendo, contra elas mesmas. Que por sua vez, agridem a nós, nos obrigando a aceitar a atividade que elas desenvolvem, como algo normal, aceitável.

``Aquele que vende o seu corpo, nunca soube e nem saberá, o verdadeiro significado da expressão, AMOR PROPRIO.´´


17/03/2010 ( quarta-feira )                                                                                   23:22h
1º CONTATO
(entrevista: presidente da associação das prostitutas)
O primeiro contato que tivemos com o grupo das prostitutas, foi as 12:35 do dia 17/03, aonde entrevistamos a Dona Célia, uma ex-prostituta, que hoje se dedica a militância contra o preconceito contra as prostitutas, sendo a atual presidente da associação das prostitutas do Piauí- APP. Essa associação defende justamente o direito dessas mulheres, quanto parte da nossa sociedade.
A entrevista durou cerca de 40 minutos, a abordamos com perguntas diversas, no inicio ficamos meio receosos, pois não sabíamos qual seria a sua reação diante de algumas perguntas que envolviam sua vida particular. Mas com o passar do tempo fomos ficando mais a vontade, pois nos mostrou ser bem descontraída no seu jeito de ser. Fomos muito bem recebidos, muito mais bem tratados por ela, do que provavelmente seriamos, por alguém que se autodenomina digno de viver em sociedade. O que foi uma surpresa pra mim, que não esperava tamanha dignidade em uma recepção, vinda de uma prostituta. Imaginei que se trataria de uma conversa bastante pesada e difícil.
            Tendo por base o que foi repassado por ela, as mulheres nessa situação, normalmente entram nessa vida, por ser a única opção encontrada, em uma realidade financeira totalmente desfavorável ao suprimento de suas mais primarias necessidades. Mas que se depois elas obtivessem uma segunda opção, elas iriam continuar a optar pela primeira. E com isso consegui visualizar o principal direito que elas lutam na associação, que é  `` O direito a liberdade de escolha``. Elas querem poder escolher essa atividade, e que por sua escolha não sejam agredidas pela sociedade, pois elas também fazem parte desse grupo maior.
            A Dona Célia hoje, encontra-se casada, tendo duas filhas como fruto desse relacionamento. Tendo essas informações em mão, questionei a ela a seguinte questão: Se uma de suas filhas optarem pela prostituição, você a apoiaria? Ela ficou por um certo momento pensativa, pensou bem no que ira responder e disse : `` Eu particularmente, como mãe, não apoiaria uma de minhas filhas nessa escolha, pois não gostaria de velas submeter-se a humilhações e sofrimentos, proporcionados por essa vida.
            Com essa declaração, não preciso questionar mais nada, pois a própria presidente da associação, que se diz desprovida de preconceitos, nos mostrou ter o seu próprio preconceito, sendo esse adquirido em uma experiência própria. Ela , mesmo que inconscientemente, reconhece que essa ``  escolha`` , não proporciona uma vida saudável e confortável a essas mulheres. E dessa declaração, levo-me a entender o porque da Dona Célia estar nessa militância contra o preconceito. Pelo que pude perceber, em sua experiência, não teve o olhar de alguém que a ajudasse a vencer esses sofrimentos e humilhações decorrentes de sua realidade de vida, que por muitas vezes nos mostra marcados em seu próprio semblante. Ela reconhece a necessidade, de proporcionar a essas mulheres, uma realidade menos humilhante, aonde as suas necessidades primarias fossem supridas, como por exemplo, a saúde. E nessa tentativa  de proporcionar essa vida mais saudável a essas mulheres, ela oferece em diversas oficinas, que ensina outro meio de ganhar a vida, as prostitutas. Nas oficinas elas aprendem bordado, costura, culinária, conhecimentos em informáticas e vários outros tipos de meios sustentáveis de se manter na sociedade. Mesmo assim não ferindo o direito de liberdade de escolha delas, e se optarem pela prostituição, terão toda a orientação necessária, para desenvolver essa atividade de forma mais saudável e responsável.   



24/03/210(quarta-feira)                                                                                                                   10:48h
2ºCONTATO
(entrevista: Virgiane Passos, produtora da TV Clube)

            Na entrevista coma Dona Célia, a presidente da associação das prostitutas do Piauí, identificamos uma diferença entre as prostitutas da associação e as garotas da Bete Cuscuz. Diferenças não só no local aonde trabalham, mas na forma em que elas se autodenominam. A Célia, no decorrer da sua 21/03/2010 (domingo)                                                                                            militância, observou que as garotas da Bete se reconhecem como ´´ acompanhantes ``, e nunca querem ser defendidas como prostitutas, isso a revolta.
            E com essa revolta particular da Dona Célia, sentimos a necessidade de conhecermos um pouco dessa outra realidade da prostituição. E dessa necessidade, surgiu o nosso segundo contato com a realidade dessas mulheres. Entrevistamos a Virgiane, que no passado fez uma matéria sobre prostituição de luxo, e nessa matéria ela teve o contato direto com as garotas que trabalham na Bete Cuscuz. Pedimos que ela dividisse essa experiência de sua vida, com nós. Nessa entrevista, pude visualizar bem as diferenças entre as prostitutas e as acompanhantes. No caso, as motivações, que levaram cada uma dessas mulheres a optarem por essa vida, e essas motivações são formadas basicamente pela situação socioeconômica em que essas garotas se encontram. De um lado, as que não tem nem mesmo o que comer, isso as levou a optar por essa vida. Do outro lado, as que sentem falta de um padrão de vida elevado e estável, isso as levou a optar por essa atividade.
            Na realidade das garotas de luxo, elas sempre justificam sua escolha, porque querem estudar, e pagar uma faculdade. Mas o que pude observar, é que a maioria que usam essa justificativa, não são fixas em um lugar determinado, sempre indo aonde o lucro estiver mais rentável. O que me deixa mais revoltado com a vida que essas meninas se submetem, é saber que alguma delas tiveram uma segunda opção, mas que optaram por essa situação. Será que essas meninas não percebem, que estão destruindo a elas mesmas? Com esse segundo contato, só reforçou o meu posicionamento contrario a prostituição, podem falar o que quiser, mas continuo acreditando que essa não é uma vida saudável, muito menos digna. Essas meninas tem que serem alertadas sim, não podemos esquecer da responsabilidade social que cada um de nos, temos sobre as mudanças dessa realidade. Até mesmo quando  elas não quiserem mudanças, iremos gritar por mudança, e fazer por onde, para que essas mudanças aconteça. Sem esquecermos do respeito que devemos ter pelo direito a liberdade de escolha dessas mulheres, o que não significa dizer, que concordamos com a vida que elas levam.


24/03/2010 ( quarta-feira)                                                                                       11:36 h
3º CONTATO
( Visita ao 69 Drink´s )

            Depois de conversarmos com uma ex-prostituta e com alguém que teve uma experiência direta com essas mulheres, sentimos a necessidade de termos a nossa própria experiência com uma prostituta na ativa.
            Ontem a noite  eu e o valdemar, fomos ao 69 Drink´s, um bar bastante conhecido aqui em teresina, como ponto de prostituição. Chegamos no lugar por volta de 21:45 h.O estabelecimento ainda estava vazio, com poucos clientes. Eu particularmente estava muito apreensivo, pois até então, nunca tinha freqüentado um ambiente daquele tipo, quanto mais bater papo com uma daquelas mulheres. Só vinha na minha cabeça, a possibilidade, de sermos enxotados dali, ou até mesmo agredidos fisicamente, e o ambiente ser fechado não ajudou muito a me tranqüilizar. Mesmo apreensivo, demos continuidade a nossa visita. Entramos e logo sentamos em uma das mesas, logo em seguida duas belas mulheres, bastante jovens, uma teria 20 anos e a outra 24 anos, se aproximaram  e sentaram a nosso lado. Provavelmente, pensaram que ali iriam lucrar algum.
            Não demorou muito, e logo fomos nos identificando, como estudantes de direito, em seguida descemos o porque de estarmos ali. De uma forma bem sutil, fomos deslanchando a conversa, com perguntas diretas, sobre suas vidas na prostituição. Para minha surpresa as meninas aceitaram conversar com a gente, numa boa, contanto que não as filmassem. Nos trataram com toda a educação e dignidade a que merecíamos. Nos receberam e responderam nossas perguntas, fiquei besta, com o nível  de educação que elas demonstraram ter. O que nos abre os olhos para uma outra realidade, na vida dessas mulheres, já não são mais analfabetas, como antes. Hoje são mulheres instruídas,que possuem ate nível superior, existindo algumas exceções. Como por exemplo, uma das meninas aquém entrevistei, que encontravas se no 3º período de enfermagem, que segundo ela, banca seus estudos com o dinheiro da sua prostituição. Talvez isso seje um ponto positivo, pois quem sabe, atravez de sua formação, ela não saia da prostituição. Ou pode, passar apenas de uma ilusão do meu conciente.
            Nesse terceiro contato, eu ali frente a frente, com uma prostituta, no seu ambiente de trabalho, e escutando tudo o que ela tinha para dizer, foi muito marcante. Até então, eu num reconhecia aquelas mulheres, como seres humanos, e sim como aberrações da sociedade. Mas que agora eu as vejo como seres humanos igual a todos, em sua diferença. Lutamos tanto por liberdade, todos esses séculos, e porque elas não podem ser livres para escolher seu caminho? Já que essa escolha, não fere nem um direito de outro cidadão. Eu continuo sendo contra a prostituição, e tudo o que eu poder fazer para mudar essa realidade dessas mulheres, irei fazer. Mas reconheço que eu não tenho sido digno, no meu posicionamento, em relação a essas mulheres. A dignidade tem faltado na forma em que eu as trato, pois  o que me leva a acreditar que elas não são dignas de respeito como eu? Nem uma justificativa irá dar razão a essa afirmação, pois se elas me respeitaram no ambiente delas, porque eu num vou respeita-las?
            Temos que abrir nossos olhos, e vermos que se  cortarmos o direito a liberdade de escolha dessas mulheres, estaremos dando espaço para outrem cortar o nosso direito a liberdade de escolha, no futuro.  

`` Você é o que escolhe ser.´´

Cristóvão Alencar.

Um comentário:

  1. é preciso ter contato com essas mulheres, para perceber o quanto elas precisão de um olhar mais cuidadoso, temos que perceber que são pessoas humanas, e precisão serem inseridas na sociedade.....são uma perte do todo

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